A mais recente disparada do dólar reacendeu a preocupação do rompimento da marca inédita dos R$ 6, e analistas já preveem que o brasileiro precisará desembolsar três notas de R$ 2 por uma de US$ 1 antes das festas de ano-novo. O pessimismo é reflexo de uma “tempestade perfeita” no mercado cambial, formada pela taxa de juros mais baixa da história, a retomada de medidas de isolamento social em diversos países para conter o repique da Covid-19, além da falta de coerência do governo federal em manter as contas públicas limitadas ao teto de gastos e a cada vez mais distante apresentação da segunda parte da reforma tributária. Nesta sexta-feira, 2, a moeda norte-americana fechou a R$ 5,67, e acumulou alta de 2,1% na semana, após levar a melhor sobre o real em quatro dos cinco pregões. O movimento seguiu a tendência de valorização que já virou rotina nos últimos tempos. Em setembro, a divisa norte-americana fechou em alta pelo segundo mês consecutivo, e desde 1º de janeiro acumula valorização de 41% ante o real.
“O dólar vai aumentar gradualmente até dezembro, quando chegará aos R$ 6 para se manter nesse patamar ao menos até o primeiro trimestre de 2021”, afirma André Perfeito, economista-chefe da Necton Investimento. Depois de atingir o recorde de R$ 5,90 em 13 de maio, a moeda norte-americana entrou em processo de arrefecimento até bater R$ 4,85 no início de junho. Desde então, a taxa de câmbio não emitiu sinais de que poderia voltar a ameaçar romper a linha dos R$ 6. O quadro virou na última segunda, 28, após o anúncio do uso de recursos do pagamento de precatórios e do financiamento do Fundeb para pagar as contas do Renda Cidadã, o programa social idealizado pelo governo federal para substituir o Bolsa Família. O anuncio foi seguido por uma enxurrada de críticas por todos os lados. Enquanto a oposição afirmava que não iria aceitar que se retirasse dinheiro do principal programa de apoio à educação básica nacional, investidores viram na ação do governo uma manobra para furar o teto de gastos, aumentando a desconfiança sobre o controle das contas públicas. A repercussão foi tanta que o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, criticou o uso de um “puxadinho” no financiamento do antigo Renda Brasil.
Os efeitos da última semana se juntaram a outro fator doméstico que já vinham pressionando a moeda norte-americana ante o real. No início de setembro, o Comitê de Política Econômica (Copom) manteve a Selic, a taxa de juros da econômica brasileira, em 2% ao ano, a mais baixa da história, afastando o interesse dos investidores internacionais em aportar dólares no mercado interno. A tendência do Banco Central é manter os juros baixos para dar impulso à retomada econômica, porém, na semana passada, o presidente da entidade, Roberto Campos Neto, afirmou que pode rever a política de corte de juros caso o teto de gastos seja rompido. Apesar do recado, Perfeito, da Necton, afirma que a autoridade monetária nacional não deve alterar tão cedo a Selic. “Talvez ele não mexa no primeiro trimestre de 2021, mas no segundo terá que ser feito, até porque a inflação vai estar mais forte. A tendência é que a taxa comece a ser elevada até alcançar 3% no fim do ano que vem”, afirma.
Além dos problemas dentro de casa, o real se torna mais fraco ante o dólar pelo receio dos mercados internacionais com o ressurgimento de novos picos de infecção no novo coronavírus em diversas partes do mundo, e que isso leve a novas medidas de isolamento social. Somado a isso, há o tumultuado processo eleitoral nos Estados Unidos e a divulgação de que o presidente e candidato à reeleição, Donald Trump, testou positivo para a Covid-19. Para o economista e estrategista da Veedha Investimentos, Rodrigo Moliterno, os indicadores atuais da economia brasileira deveriam fazer o dólar se manter na faixa de R$ 5,20. “Durante a época pré-coronavírus, o Brasil parecia a bola da vez. Tinha as reformas, agenda liberal, mas, com o surgimento a pandemia, mudou da água para o vinho, e agora estamos em uma posição delicada.” Enquanto a situação externa deve se estender ao menos por mais alguns meses, ele diz que a resolução dos problemas domésticos passam pelos próximos movimentos do governo federal em mostrar aos investidores que está comprometido com a responsabilidade fiscal. “A ação mais prática que o governo pode fazer é abortar o Renda Cidadã e tentar, junto ao Congresso, colocar a reforma tributária em votação, ou, ao menos, em discussão. O mercado que ver as coisas efetivamente andando”, afirma. E, enquanto isso não acontece, Moliterno afirma que é possível o dólar bater em R$ 6 no final deste ano. “Vai depender de quanto esse nosso quadro vai se agravar e da habilidade do governo em tentar reverter essa situação.”
Na contramão do pessimismo, Fernanda Consorte, economista-chefe do Banco Ourinvest e colunista do site da Jovem Pan, afirma que os sinais indicam mais para a queda da moeda-norte americana que o rompimento da linha de R$ 6. Segundo ela, a turbulência doméstica deve se estender por mais alguns dias, mas pode ser aliviada com a emissão de sinais corretos aos investidores. “A questão fiscal demora para se desenrolar, mas, se o governo mudar o tom e voltar para a agenda liberal do ano passado, há espaço para cair.” Já no cenário global, ela aponta o avanço das pesquisas para a descoberta da vacina imunizante ao coronavírus como sinal de otimismo. “É preciso acompanhar os cenários, e quais os vetores terão mais força. Mas hoje a chance é mais de ir para baixo do que para cima.”
Fonte: Jovem Pan